SOBRE O AUTOR

Sou um privilegiado. Não por ter alguma capacidade ou habilidade especial. Não identifico algo – inteligência, memória, raciocínio – que me distinga da média das pessoas da minha faixa etária. Até pelo contrário, desde muito cedo lido com uma exagerada timidez que exigiu de mim esforço extra para dar conta de várias situações. Falar em público, paquerar, defender minhas posições e opiniões foram um grande problema na minha juventude.

Também não nasci em berço esplêndido. Meu pai era médico recém-formado e minha mãe professora quando cheguei, filho mais velho dos três que tiveram, de modo que minha infância foi em ambiente bastante modesto. Graças à sólida formação, à competência e ao bom trabalho de meu pai, nosso padrão de vida melhorou. Nem por isso houve relaxamento do zelo com a boa educação, os valores morais e o bom desempenho escolar. Em casa, a mensagem era clara e coerente: nada acontece sem que se faça por onde e por merecer, com esforço e persistência.

Sou privilegiado por ter convivido e por conviver com pessoas especiais, que incutiram e reforçaram em mim o valor da honestidade, da ética, do respeito ao próximo, da amizade, da perseverança, da dedicação, do estudo e do trabalho em equipe.

Cresci numa família estruturada, cercado de parentes que me queriam bem. O que consegui foi fruto de esforço, disciplina e dedicação desde o ensino básico, acompanhado de perto pela minha mãe, cobrado e estimulado por ela, e pela presença serena de meu pai. Eles dois e meu avô materno, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, foram as figuras mais fortes na minha vida até o início da idade adulta.

Passei no vestibular para Medicina com 17 anos. Foi durante o curso médico que conheci minha atual esposa, que logo passou a integrar o grupo de pessoas que contribuíram decisivamente para que eu seja quem sou. Nem imagino o que teria sido de mim sem ela, tamanha a sua importância na minha vida.

A partir de então fica difícil reconhecer todos a quem devo algo. Por isso, listo alguns, contando que os outros saibam quem são, o quanto os aprecio e lhes sou grato.

Graduei-me médico pela Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) em 1985. Nos anos de especialização que se seguiram tive cinco grandes mestres. Cinco! Não é qualquer um que tem esse privilégio.

O primeiro foi meu pai, Guido Hetem, que me acolheu no seu consultório e supervisionava meus atendimentos, tolerando com a paciência que lhe era peculiar minha arrogância de recém-formado. Na mesma época, Luiz Paulo de Campos Bechelli, psiquiatra e pesquisador renomado, me iniciou na vida científica. Sou-lhe muito grato pelo conselho precioso que me deu logo no início da especialização: primeiro me preocupar com a formação em psiquiatria clínica para depois fazer o resto – carreira acadêmica, estudo de psicoterapia e investimento em cultura humanística. Na sequência, fiz psicanálise por alguns anos com a dra.Theodolinda Stocche. Foi um marco. Existe o eu de antes e o de depois do trabalho psicanalítico.

Em seguida, o Prof. Frederico G. Graeff me deu um voto de confiança e aceitou ser meu orientador de mestrado e doutorado. No fim acabou se tornando um verdadeiro tutor, com quem tive depois o privilégio de co-editar três livros sobre ansiedade e transtornos de ansiedade. Por último, tive a sorte de trabalhar durante meu pós-doutorado, em Estrasburgo (França), sob supervisão do Prof. Jean-Marie Danion, uma das pessoas mais extraordinárias que conheci. Ao término da minha passagem pelo seu serviço, concedeu-me a honra de me chamar de amigo.

À distância, sem nem saber que eu existia, contribuíram para minha formação, por intermédio de seus escritos e apresentações em congressos, os professores Othon Bastos, do Recife, Jorge Paprocki, de Belo Horizonte, Márcio Versiani, do Rio de Janeiro, Valentim Gentil Filho, de São Paulo, Luiz Salvador de Miranda Sá, de Campo Grande, e Rogério Aguiar, de Porto Alegre. Posteriormente, graças ao convívio que tive com eles todos, pude lhes dizer o quando me auxiliaram e expressar minha gratidão.

De volta ao Brasil, depois de um ano e meio fora, fui docente da pós-graduação em Saúde Mental na FMRP-USP (de 1999 a 2010) e diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (de 2003 a 2010). Nessa época aprofundei os laços com aqueles a quem carinhosamente chamo de “irmãos mais velhos”, pela atenção que generosamente sempre me dispensaram: Marco Antonio Brasil, psiquiatra no Rio de Janeiro; Francisco Silveira Guimarães, professor de farmacologia na FMRP-USP; e João Alberto Carvalho, psiquiatra e psicanalista no Recife.

Não poderia deixar de mencionar meus contemporâneos, colegas mais ou menos da mesma idade, em cuja parceria conduzi ensaios clínicos e escrevi artigos e livros: Fábio Rocha, de Belo Horizonte, Neury Botega, de Campinas, Alexandre Martins de Mello e Maria Sílvia Lopes, de Ribeirão Preto, Antonio Egidio Nardi, do Rio de Janeiro e o casal Doris e Ricardo Moreno, de São Paulo.

Aprendi muito com meus filhos, hoje mulher e homem feitos. Aproveitei o quanto pude a oportunidade de participar do desenvolvimento da personalidade deles, cada qual com sua singularidade, enquanto fazia o possível para ser um bom pai.

Como não falar dos amigos mais jovens, que constantemente me transmitem conhecimentos novos e mais complexos? Vinícius Guapo, colega de consultório, José Alexandre Crippa, Rafael Sanches, Marcelo Fleck, Carolina Fagnani e Jeferson Paiva fazem parte desse grupo, para minha satisfação, bastante grande.

Por fim, sou grato pelo privilégio que me foi concedido pelos pacientes que atendi nos hospitais, ambulatórios e consultórios: confiar em mim para acompanhar seus dramas, suas limitações, suas dificuldades e seu sofrimento e me permitir auxiliá-los no que estava ao meu alcance. O que aprendi com eles, com o enfrentamento corajoso, criativo e obstinado dos problemas de saúde e de relacionamento é indescritível.

Desde 2011 dedico-me exclusivamente à clínica privada. Distanciei-me da vida acadêmica e da associativa. No fim de 2016 publiquei "A Grande Obra", meu primeiro livro autoral. No segundo semestre de 2019, o segundo, intitulado "Pensamentos Críticos". Em 2017, incentivado pelo meu amigo e colega, Vinícius Guapo, fundamos o PQU Podcast, que tem como objetivo divulgar informações de interesse para o psiquiatra em formação.

Reafirmo a veracidade da primeira frase desse texto. Que venham novos desafios e as turbulências próprias da vida, pois tão bem formado e acompanhado não tenho o que temer.